Os juros das dívidas soberanas

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O facto de se anunciar repetidamente as emissões de dívida soberana de alguns países a juros negativos fez-me pensar e pesquisar mais a fundo as razões para isso acontecer, já que para mim não fazia sentido que os investidores pagassem para um estado guardar o seu dinheiro ainda que esses estados, como a Alemanha, tenham reputação de ter as suas finanças em ordem.
Cheguei à conclusão que os mercados estão a assumir uma certa probabilidade de saída do Euro para cada um dos estados e uma expectativa de valorização ou desvalorização cambial. Os mercados assumem que se um estado sair do Euro as obrigações soberanas seriam automaticamente convertidas em moeda nacional. Por exemplo, na Alemanha as obrigações seriam convertidas em Marcos e seria expectável uma valorização do Marco relativamente ao Euro ou às outras divisas nacionais; em países como Portugal Espanha e Itália seria expectável que as divisas desvalorizassem.
Apesar de os juros serem habitualmente uma medida de risco de bancarrota, neste caso não é exactamente isso que acontece. Esse efeito é claramente acentuado pelo factor descrito e que é notório quer pelos juros demasiado altos, quer pelos juros demasiado baixos (negativos) de alguns estados.
Não será correcto dizer que a bancarrota e a saída do Euro são coisas independentes uma vez que a razão mais provável para a desagregação do Euro será um dos países “grandes” (Espanha ou Itália) perder a capacidade de honrar a sua dívida em Euros. No entanto, ninguém se acredita numa bancarrota da Itália ou Espanha sem que antes haja mutualização da dívida no Euro ou desagregação do Euro e pagamento da dívida em divisas nacionais.
O que os mercados menos gostam é de incertezas, ainda menos do que de risco de bancarrota, por isso não vale a pena continuar com a hipocrisia de dizer que o fim do Euro ou a saída de estados não é uma hipótese; acredito que a situação melhorasse bastante se se assumisse essa hipótese e se determinasse exactamente como é que isso aconteceria e quais os riscos concretos dos detentores de dívida soberana. Depois seria mais fácil calcular o efeito que essas regras tinham nas taxas de juros e encontrar soluções para o eliminar.
Entretanto está a ocorrer uma injustiça no sentido em que uns estados estão a beneficiar desse efeito à custa de outros que estão a pagar a mais do que o que poderia ser associado ao seu risco de incumprimento.
A minha ideia para resolver o problema seria determinar uma taxa mínima que os estados teriam que pagar para financiar a sua dívida, por exemplo a taxa de referência do BCE (actualmente 0,75%), que corresponderia ao risco zero de incumprimento. Os estados que se conseguissem financiar abaixo disso teriam que ceder esse “lucro” para financiar parte dos juros dos países mais prejudicados por esse efeito.

Caso de Portugal:
Para ser completo e não mal interpretado devo referir que o problema português pouco tem a ver com os juros soberanos uma vez que o país já está sob um programa de assistência financeira.
Sendo um país altamente deficitário é possível dizer que os juros da dívida soberana estão a ser pagos por novo endividamento, geralmente financiado pelos mesmos credores que assim estão a pagar os juros a si próprios.
Assim que Portugal cumprir o programa de ajustamento e conseguir equilibrar o défice, poderá nessa altura preocupar-se com os juros, tendo, nessa altura, melhores argumentos de solidez financeira para conseguir taxas favoráveis.
Os juros da dívida soberana portuguesa anunciados na comunicação social são os juros implícitos das transacções em mercado secundário, não são os juros a que o estado emite dívida mas sim a que os detentores de dívida compram e vendem entre si. Esse mercado secundário tem baixo volume relativamente ao total de dívida que existe, o que explica a grande volatilidade e a pouca relevância para prever taxas a que o estado conseguiria refinanciar a dívida de volume muitas vezes superior.
Além disso há outros efeitos, como por exemplo as necessidades de capitalização da banca para cumprir novas regras que obrigou à venda de obrigações do tesouro e que na altura provocou uma subida das taxas implícitas até aos 20%; da mesma forma é provável que os aumentos de capital da banca e decisões do BCE tenham contribuído para baixar essa taxa até aos valores actuais de 8%. Não creio que nem essa subida nem essa descida sejam uma medida de sucesso do programa de ajustamento. Em relação às emissões primárias, aquelas que verdadeiramente interessam para o estado, têm sido feitas apenas para prazos curtos e com juros a rondar os 3%.
Queria deixar uma nota em relação aos produtos de dívida. A diferença entre Obrigações do tesouro e certificados de aforro (ou equivalentes), é que as primeiras são transaccionadas em mercado secundário, não são adquiridas ao estado mas sim aos detentores dessas obrigações que as colocam à venda; já os ditos certificados de aforro são comprados ao estado e financiam-no directamente. As OT’s estão com juros implícitos à volta de 8%, os CA’s rendem juros à volta de 2%; parece-me óbvio quais é que os investidores devem procurar. O acesso às OT’s em mercado secundário é disponibilizado por quase todos os bancos comerciais de forma equivalente à bolsa de valores.


Cálculo de yields (taxa de juro implícita até à maturidade):
Devido ao interesse mostrado, deixo aqui um exemplo da minha folha de cálculo para yields de OT's, e exemplo das fórmulas de Excel para as calcular:



A passar para o lado dos cépticos

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Muita gente falou das últimas medidas do governo e do discurso do PM. São os de dentro dos partidos da coligação que mais veemente têm criticado (os de fora criticam sempre, e sem dar alternativas credíveis, por isso já ninguem liga).

Apesar de não ser habitualmente dos meus comentadores de eleição, Pacheco Pereira desta vez foi o que disse mais e melhor.


Eu próprio abri os olhos para algumas coisas e eu que até agora apoiei o governo passei para os lados dos moderadamente cépticos. O povo suportou todos os sacrificios que lhe foram pedidos, mas o que não suporta é a injustiça.
A paz social é exemplo único em Portugal, até agora só se tinham manifestado minorias ruidosas que não falam por ninguem senão por eles mesmos e que não eram muitos. No entanto, agora manifestou-se a maioria silenciosa, aqueles que até agora tinham aceite com serenidade as dificuldades que atravessavam e que agora deixaram de acreditar que não se esteja a caminhar para uma espiral de recessão e austeridade. Apesar de tudo a manifestação foi pacifica o que fala bem a favor do nível civilizacional do povo Português, resistindo aos apelos dos mesmos de sempre para que se parta para a violência e insubordinação.

Sócrates falhou porque disse que tudo estava bem quando tudo estava mal, e por dizer que estes sacrificios chegavam e de cada vez nos mandar mais um PEC com promessa que era suficiente, até vir o próximo PEC.
Pela primeira vez me parece que Passos está a ir pelo mesmo caminho e o povo que até agora acreditou e aceitou os sacrificios percebe mais uma vez que a recompensa pela sua atitude exemplar, são mais sacrificios. O povo quer ajudar a pôr as contas do país em ordem, mas quer quem saiba fazer as contas e dizer o que é suficiente, quer um lider que não se lamente de fazer o seu trabalho bem feito.

Eu sempre defendi que devia haver um ajuste duro, e que inevitavelmente passava por austeridade, mas um ajuste rápido dado em dose forte mas única. Agora se por a austeridade criar recessão isso faz com que se aumente a austeridade, e que por sua vez aumenta a recessão, percebe-se bem onde isto vai dar.

Quanto a medida da alteração à TSU foi anunciada percebi que a maior diferença era a alteração dos custos da empresa para o trabalhador mas que o total se mantinha semelhante e o total era a mim o que mais interessava, porque o resto ajustar-se-ia naturalmente; empresas com mais liquidez iriam investir mais dando à economia o que a diminuição dos salários iria tirar ou iriam simplesmente aumentar os seus trabalhadores mantendo a relação anterior a essa lei. O aumento do total foi de 1,25% o que parecia pouco mas que vim a perceber que não é, como as empresas têm mais excepçoes ao pagamento de TSU do que os trabalhadores, o total que o estado vai facturar sobe, segundo alguns comentadores em cerca de 15%. Isso sim já considero um esmagamento adicional à economia e já não posso apoiar esta medida.

Quando ao futuro do governo, está agora sériamente comprometido. Vozes relevantes dos partidos da coligação já não apoiam o governo e os próprios ministros já estão desconfortáveis, nomeadamente o lider do CDS que quebrou a lealdade ao governo a favor da lealdade ao seu partido, ao qual devia uma explicação.
Teria muita pena se o governo não aguentasse porque continuo a achar que é o melhor governo que Portugal teve desde que me lembro, e uma equipa escolhida com base em competências. Infelizmente o que mais está a falhar é o próprio PM.
Eleições antecipadas seriam uma calamidade para o país e uma perda de confiança internacional na governabilidade do país. Ninguem quer isso, nem o próprio PS. Substituir o PM mantendo a equipa escolhida pelo anterior PM dá o mesmo resultado que deu o governo de Santana Lopes.
Não sei qual é a solução. O presidente convocou o conselho de estado e isso mostra que está ciente e percebeu antes de toda a gente a dificuldade de sair desta situação. Com muita pena minha o conselho de estado não é tornado público, mas ainda assim penso que só daí poderá sair alguma novidade relevante para sair do impasse.

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O anúncio do PM e a baixa de salários


Este último anúncio do PM foi para mim uma desilusão, não pelo que foi anunciado mas pelo que não foi. Desde que este governo entrou em funções eu fui seu defensor, e continuo a ser da opinião que o país precisa de mudanças radicais e que seria preferível um ajuste duro mas rápido e eficaz em vez do conformismo e inacção que têm sido hábito dos governos sucessivos. Esperava ouvir sobre mudanças no estado e não apenas sobre mudanças nos impostos. 

Quanto às medidas em si, a que mais se destacou foi a transferência do custo com a SS, das empresas para os trabalhadores, no sector privado. Isto representa uma baixa generalizada de salários, a favor das empresas.
Muitas empresas precisam disto para se manterem solventes e competitivas. Não vai provocar uma corrida às contratações, mas vai evitar algumas falências e numa crise como esta é um objectivo mais realista abrandar o aumento do desemprego do que reduzi-lo.
Aquilo que as empresas não conseguem fazer por lei, baixar salários de quadros antigos, desadequados da realidade actual, o estado fez por elas. Por outro lado, as empresas eficazes e em que os postos de trabalho sejam eficientes e com crescimento podem perfeitamente converter esta poupança em aumentos salariais na mesma medida mantendo a relação anterior a esta lei.
Apesar da medida ter algum sentido, o ministro das finanças anuncia que estas poupanças das empresas serão controladas e têm que ser destinadas a contratações ou ao que o estado lá decidir. Borrou a pintura. As empresas gerem bem, o estado gere mal, logo devem ser as empresas a decidir no que investem aquilo que não lhes é cobrado em impostos. Isto é uma medida estilo soviético, com motivações difíceis de compreender. Até parece que o primeiro-ministro aconselhou Belmiro de Azevedo a baixar os preços, espero que tenha sido um lapso porque dar um conselho de gestão ao gestor de topo em Portugal, em vez de os pedir talvez, é para lá de ridículo.

Foram muitos os comentários a estes anúncios, saliento o de Marcelo Rebelo de Sousa que foi o que gostei mais e que mais do que criticar as medidas critica a falta de explicação, falta de rumo e ausência de medidas mais corajosas em sectores que não foram ainda tão tocados. Já Manuela Ferreira Leite critica a falta de bom senso, eu discordo; a governação geral deve basear-se em bons modelos e boa teoria económica, o “bom senso” pode apenas ser aplicado nos casos particulares e algumas minorias.
Quanto ao suposto ataque aos pensionistas, é consequência de um problema que não é de agora nem deste governo. A esperança de vida está a aumentar, e as receitas já estão no limite de esmagar os rendimentos dos trabalhadores no activo, logo as pessoas terão que receber menos durante mais anos, em média. Na minha opinião o objectivo das pensões do sistema público devia ser limitado a assegurar a sobrevivência e dignidade humana dos idosos e inválidos, as pensões deveriam ter um máximo de 2 ou 3 salários mínimos e os descontos também muito menores enquanto se está no activo. Seria uma mudança difícil porque não se pode cortar tanto as pensões a quem descontou um balúrdio, mas poder-se-ia caminhar nesse sentido, o que não aconteceu, o total de descontos aumentou em vez de diminuir.

Vítor Gaspar
Sem dúvida o ministro que mais gosto de ouvir e até com quem já mais aprendi. Parece-me ser a pessoa ideal para o cargo mais difícil do governo, e não sendo político de raiz não tem preocupação em agradar a ninguém nem medo de avançar com o que acredita ser o melhor. Foi a pessoa que surgiu a explicar a trapalhada do anúncio do PM e será a pessoa a ouvir com mais atenção na apresentação e discussão do OE de 2013.
Referências:
Anúncio da quinta avaliação da Troika: http://www.youtube.com/watch?v=HN-4b14XXcw
Entrevista sobre o mesmo tema: http://www.youtube.com/watch?v=ySaTt-scIhE
Dia da FEP (Maio 2012): http://www.youtube.com/watch?v=9wwakw1W5-M

A Troika e o défice
Nunca fez sentido determinar objectivos de défice, porque o défice só é calculado depois do fim do ano e entram para a equação várias medidas que não é possível determinar com rigor mas apenas estimar. Ao fim de 8 meses do ano é possível estimar com mais precisão do que aquando da elaboração do OE 2012, mas ainda assim, estimar.
Por isso falharam as metas de défice nos tratados europeus e por isso falharam agora. O défice é um indicador importante mas não é possível determinar um número que corresponda ao sucesso ou insucesso do ajustamento. Obviamente, a Troika cedeu, depois de ela própria ter falhado as estimativas, na minha opinião não significa que o programa falhou.

A economia e o crescimento
A economia, eventualmente, há-de voltar a crescer, o desemprego há-de diminuir e haverá dias melhores que estes. Sempre foi assim, e não é a primeira vez na história que há uma crise, nem uma onda de pessimismo generalizado. Mas são os privados e as empresas que vão liderar a recuperação. O estado tem a difícil missão de não estorvar.



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